Era fim de manhã quando vi a cena. A senhora, encurvada pelo peso do tempo, repousava no banco do passageiro. O sol, impiedoso, recortava-lhe a face como um escultor sem ternura, deixando-lhe a testa brilhante de suor. No banco do motorista, um jovem entretido em sua conversa com um amigo do lado de fora, alheio à presença da mulher ao seu lado, alheio ao calor que a consumia, alheio à história que ela carregava nas rugas, no olhar, no silêncio.
Nietzsche escreveu que “a maturidade do homem consiste em reencontrar a seriedade que tinha no jogo quando criança.” O jovem ao volante, entretanto, parecia um desses que envelhecem antes do tempo, cuja alma se torna rígida, esquecida da suavidade da infância e da delicadeza do respeito. Fiquei a refletir: quem, afinal, era o velho ali? Quem era o novo?
Há uma estranha inversão de papéis no mundo. O idoso, por sua fragilidade física, deveria ser aquele que se recolhe, que aguarda a ajuda de mãos mais firmes. Mas, muitas vezes, é ele quem ensina, quem permanece lúcido enquanto o jovem se perde no automatismo do próprio ego. A juventude, essa entidade que deveria carregar o frescor da primavera, tantas vezes se apresenta árida como solo exaurido, envelhecida por uma pressa que não compreende o valor da pausa, da escuta, da empatia.
Proust dizia que “o verdadeiro ato de descoberta não consiste em procurar novas terras, mas em ter novos olhos.” Talvez nos falte essa visão. Os idosos, paradoxalmente, são os que continuam aprendendo, reinventando-se diante das perdas, dos esquecimentos, da inclemência dos dias. E os jovens, presos a uma urgência que os impede de enxergar além do próprio reflexo, tornam-se descartáveis em sua obsolescência precoce.
A senhora no banco do passageiro não pediu nada. Não reclamou da quentura, não interrompeu o fluxo da conversa do rapaz, como se já soubesse que sua voz não encontraria ouvidos. Fiquei me perguntando quantos silêncios como aquele ela já carregava consigo. Quantas vezes teria segurado a língua para não perturbar, para não incomodar? Quantos espaços de sombra cedeu a outros ao longo da vida, sem que ninguém percebesse sua renúncia?
Há uma velhice que não se mede em anos, mas em ausência de ternura. Há uma juventude que não reside na idade, mas na capacidade de se maravilhar, de acolher, de se importar. O que vi naquela cena foi um contraste brutal: uma senhora que, apesar do tempo, ainda guardava a paciência e a doçura da infância e um jovem já envelhecido pela negligência, pela falta de sensibilidade, pelo olhar que não pousa no outro.
Lembrei-me de um conto de Rubem Alves, no qual ele fala sobre a diferença entre envelhecer e ficar velho. “Ficar velho é o que acontece a quem perde a capacidade de se encantar”, dizia ele. Talvez o maior desafio da vida seja envelhecer sem jamais ficar velho. Que os anos tragam sabedoria, sim, mas que não nos roubem a ternura. Que aprendamos com os idosos a arte de esperar, mas que não nos esqueçamos de que, às vezes, o tempo precisa ser interrompido para que um gesto de cuidado aconteça.
A senhora do banco do passageiro seguiu seu caminho sem que o jovem jamais notasse o sol que lhe queimava a pele. E eu fiquei ali, parado na calçada, tentando me lembrar de quando foi que começamos a esquecer que o amor também se mede nas pequenas atenções, na gentileza gratuita, na sombra oferecida a quem precisa. No fim, talvez sejamos todos aprendizes da velhice, esperando, sem saber, o dia em que alguém nos olhará e se perguntará: será que ele ainda sabe o que é ser jovem?