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Colunas
31/10/2025 - 13h13
A sala de aula não é palco - é chão de cultivo — um ensaio sobre educação
Confira a coluna escrita por Emerson Miranda

Será que ainda lembramos o que é ensinar?
Não apenas “dar aula”. Não apenas cumprir um horário ou manter a atenção dos alunos por alguns minutos. Refiro-me à arte profunda de ensinar — esse gesto potente que transforma vidas e finca raízes onde antes havia apenas solo.

Tenho refletido bastante sobre isso nos últimos dias. Talvez pela troca rica com colegas, talvez pelo próprio ritmo das semanas que nos exigem tanto e ao mesmo tempo nos convidam a voltar ao essencial. E foi justamente nesse voltar que percebi algo que gostaria de compartilhar: a importância de reencontrarmos, juntos, o verdadeiro lugar da sala de aula.

A sala de aula não é palco.
É chão. É oficina. É terreno onde se aprende a escutar, a se frustrar, a insistir. É espaço de construção — e toda construção exige estrutura.


Vivemos tempos em que tudo precisa ser rápido, envolvente, leve, fácil. E, muitas vezes, sentimos a pressão de tornar nossas aulas “mais atrativas”, “mais dinâmicas”, “mais criativas”. Mas será mesmo que o caminho está em tornar tudo mais agradável? Ou será que a chave está em ajudar o aluno a compreender o valor de se dedicar mesmo quando não é fácil?

Não se trata de rejeitar a criatividade, muito menos a ludicidade — ambas têm lugar nobre na educação. Mas talvez seja hora de lembrarmos que o encantamento verdadeiro não vem do que brilha mais, e sim do que toca mais fundo.

O que se aprende com esforço, permanece.

O filósofo George Steiner disse certa vez que “o que se ensina com amor se transforma em liberdade”. E amor, meus amigos, não é condescendência. Amor, na educação, é conduzir com firmeza. É acreditar tanto no outro, que se torna possível exigir dele o melhor que pode ser.
Porque acreditamos, pedimos mais. Porque confiamos, ensinamos que vale a pena o esforço.


Não é fácil cultivar essa consciência num tempo em que tudo parece pedir urgência, resultado, aplauso. Mas o aprendizado não floresce na pressa. O verdadeiro saber precisa de pausa, de repetição, de maturação.

E é justamente por isso que a sala de aula não deve ser confundida com um palco. Não estamos ali para entreter — estamos para formar. Formar exige presença, coerência, exemplo. Exige não apenas apresentar conteúdo, mas mostrar caminhos. E caminhos reais — não atalhos.

É natural que busquemos cativar nossos alunos. Queremos que gostem de aprender. Mas há uma diferença entre gostar do processo e esperar que ele seja sempre confortável. Aprender, muitas vezes, é atravessar a dúvida, insistir no que ainda não se sabe, escutar com paciência.

Há uma dignidade profunda em descobrir isso junto aos nossos alunos. E cabe a nós, professores, mostrar que o desconforto também é parte do processo. Que o aprendizado pode — e deve — ser desafiador.


Penso, com frequência, na cena de um aluno escrevendo seu nome pela primeira vez. Há ali hesitação, traços inseguros, tentativas que falham. Mas também há brilho nos olhos quando a palavra ganha forma. É nesse instante que se revela a beleza: o esforço se transforma em conquista.
E é por isso que ensinamos.

Não é o riso imediato que marca. É o entendimento que nasce depois da superação. É a alegria de quem descobriu que é capaz.

“O professor é aquele que faz da inquietação uma semente”, escreveu Mia Couto. E eu acredito nisso. Nós somos os que semeiam perguntas, não apenas respostas. Os que plantam permanência no tempo do passageiro. Os que acreditam na força do invisível.


Meus colegas, essa crônica é também um convite.
Um convite para voltarmos ao centro. Para nos reconectarmos com o propósito que nos move. Para lembrarmos que o valor do nosso trabalho está justamente naquilo que não se mede em gráficos, planilhas ou curtidas.

Somos os que permanecem.
Os que formam caráter ao mesmo tempo em que ensinam equações, partituras, orações subordinadas.
Somos os que constroem o futuro de maneira invisível.

E, por isso, não precisamos de truques. Precisamos de consciência.
Consciência de que ensinar é gesto profundo demais para ser tratado como performance.
Consciência de que nossa força está na constância, na ética, na serenidade com que conduzimos mesmo os dias difíceis.

Se formos fiéis à nossa missão, os alunos perceberão.
Talvez não agora. Talvez não nesta semana.
Mas um dia, ao se depararem com uma situação difícil, recordarão que houve um professor que lhes ensinou, com firmeza e afeto, a importância da responsabilidade, da escuta, do tempo.


A sala de aula não é espetáculo.
É espaço de formação. De encontro. De verdade.

Se, por acaso, você se sentiu cansado, pressionado ou até perdido neste cenário de múltiplas exigências, respire. Recomece. Lembre-se: o essencial nunca esteve nas aparências, mas na presença.

Sejamos, então, presença.
Sejamos raiz, e não ornamento.
Sejamos professores — na acepção mais bonita da palavra.

 



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