Será que ainda
lembramos o que é ensinar?
Não apenas “dar aula”. Não apenas cumprir um horário ou manter a atenção dos
alunos por alguns minutos. Refiro-me à arte profunda de ensinar — esse gesto
potente que transforma vidas e finca raízes onde antes havia apenas solo.
Tenho refletido
bastante sobre isso nos últimos dias. Talvez pela troca rica com colegas,
talvez pelo próprio ritmo das semanas que nos exigem tanto e ao mesmo tempo nos
convidam a voltar ao essencial. E foi justamente nesse voltar que percebi algo
que gostaria de compartilhar: a importância de reencontrarmos, juntos, o
verdadeiro lugar da sala de aula.
A sala de aula não
é palco.
É chão. É oficina. É terreno onde se aprende a escutar, a se frustrar, a
insistir. É espaço de construção — e toda construção exige estrutura.
Vivemos tempos em
que tudo precisa ser rápido, envolvente, leve, fácil. E, muitas vezes, sentimos
a pressão de tornar nossas aulas “mais atrativas”, “mais dinâmicas”, “mais
criativas”. Mas será mesmo que o caminho está em tornar tudo mais agradável? Ou
será que a chave está em ajudar o aluno a compreender o valor de se dedicar
mesmo quando não é fácil?
Não se trata de
rejeitar a criatividade, muito menos a ludicidade — ambas têm lugar nobre na
educação. Mas talvez seja hora de lembrarmos que o encantamento verdadeiro não
vem do que brilha mais, e sim do que toca mais fundo.
O que se aprende
com esforço, permanece.
O filósofo George
Steiner disse certa vez que “o que se ensina com amor se transforma em
liberdade”. E amor, meus amigos, não é condescendência. Amor, na educação, é
conduzir com firmeza. É acreditar tanto no outro, que se torna possível exigir
dele o melhor que pode ser.
Porque acreditamos, pedimos mais. Porque confiamos, ensinamos que vale a pena o
esforço.
Não é fácil
cultivar essa consciência num tempo em que tudo parece pedir urgência,
resultado, aplauso. Mas o aprendizado não floresce na pressa. O verdadeiro
saber precisa de pausa, de repetição, de maturação.
E é justamente por
isso que a sala de aula não deve ser confundida com um palco. Não estamos ali
para entreter — estamos para formar. Formar exige presença, coerência, exemplo.
Exige não apenas apresentar conteúdo, mas mostrar caminhos. E caminhos reais —
não atalhos.
É natural que
busquemos cativar nossos alunos. Queremos que gostem de aprender. Mas há uma
diferença entre gostar do processo e esperar que ele seja sempre confortável.
Aprender, muitas vezes, é atravessar a dúvida, insistir no que ainda não se
sabe, escutar com paciência.
Há uma dignidade
profunda em descobrir isso junto aos nossos alunos. E cabe a nós, professores,
mostrar que o desconforto também é parte do processo. Que o aprendizado pode —
e deve — ser desafiador.
Penso, com
frequência, na cena de um aluno escrevendo seu nome pela primeira vez. Há ali
hesitação, traços inseguros, tentativas que falham. Mas também há brilho nos
olhos quando a palavra ganha forma. É nesse instante que se revela a beleza: o
esforço se transforma em conquista.
E é por isso que ensinamos.
Não é o riso
imediato que marca. É o entendimento que nasce depois da superação. É a alegria
de quem descobriu que é capaz.
“O professor é
aquele que faz da inquietação uma semente”, escreveu Mia Couto. E eu acredito
nisso. Nós somos os que semeiam perguntas, não apenas respostas. Os que plantam
permanência no tempo do passageiro. Os que acreditam na força do invisível.
Meus colegas, essa
crônica é também um convite.
Um convite para voltarmos ao centro. Para nos reconectarmos com o propósito que
nos move. Para lembrarmos que o valor do nosso trabalho está justamente naquilo
que não se mede em gráficos, planilhas ou curtidas.
Somos os que
permanecem.
Os que formam caráter ao mesmo tempo em que ensinam equações, partituras,
orações subordinadas.
Somos os que constroem o futuro de maneira invisível.
E, por isso, não
precisamos de truques. Precisamos de consciência.
Consciência de que ensinar é gesto profundo demais para ser tratado como
performance.
Consciência de que nossa força está na constância, na ética, na serenidade com
que conduzimos mesmo os dias difíceis.
Se formos fiéis à
nossa missão, os alunos perceberão.
Talvez não agora. Talvez não nesta semana.
Mas um dia, ao se depararem com uma situação difícil, recordarão que houve um
professor que lhes ensinou, com firmeza e afeto, a importância da
responsabilidade, da escuta, do tempo.
A sala de aula não
é espetáculo.
É espaço de formação. De encontro. De verdade.
Se, por acaso,
você se sentiu cansado, pressionado ou até perdido neste cenário de múltiplas
exigências, respire. Recomece. Lembre-se: o essencial nunca esteve nas
aparências, mas na presença.
Sejamos, então,
presença.
Sejamos raiz, e não ornamento.
Sejamos professores — na acepção mais bonita da palavra.







