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Colunas
02/05/2024 - 16h19
A vida sem memória não é nada
Confira a coluna do Emerson Miranda na última edição da Gazeta: 4.239

Sentado em um banco na Praça Honorato Borges, observava o ocaso tingir de laranja o horizonte enquanto um silêncio poético se instalava, apenas interrompido pelo canto melódico dos pássaros. Eram eles, os guardiões da memória, que em sua sinfonia alada despertavam lembranças adormecidas de tempos juvenis e efervescentes.

Naquela época, os anos 90 desenrolavam-se como uma fita de cinema, cheia de cores vivas e diálogos significativos. Era o palco onde nós, jovens sonhadores, desfiávamos nossas esperanças e planos. Entre risos e confissões, compartilhávamos o doce peso da nossa inexperiência.

"As amizades verdadeiras são como árvores de raízes profundas: muitas folhas podem cair, mas essas são imóveis ao tempo", dizia um de nós, citando uma adaptação livre de Cícero. Com efeito, a cada encontro, tecíamos mais apertado o tecido de nossa comunhão fraterna, imunes, por momentos, à inexorável passagem do tempo.

Ali, meninas e meninos se encontravam para trocar olhares tímidos e sorrisos que prometiam futuros compartilhados. Os primeiros amores nasciam entre o crepúsculo e o acender das luzes, sob o testemunho invisível de um passado que só os mais velhos lembravam.

Era um ritual de passagem, um deixar de ser para tornar-se. No jogo de xadrez humano que ali se desenrolava, cada peão, cada rei, cada rainha aprendia a mover-se com a dignidade dos que estão à beira de descobrir o mundo. "O verdadeiro mistério do mundo é o visível, não o invisível", Wilde nos lembrava, enquanto explorávamos com olhos e corações abertos as maravilhas visíveis em cada rosto amigo, em cada nova descoberta.

À medida que a noite caía, o lugar se enchia de acordes de violões que algum entusiasta sempre trazia. As músicas de Renato Russo, Cazuza e outros poetas da nossa geração se misturavam ao som das conversas e ao riso fácil. "Viver é não esperar a tempestade passar, é aprender a dançar na chuva", gritava alguém no meio do círculo, e todos nós dançávamos, literal ou metaforicamente, aprendendo a fazer da vida um eterno movimento.

Hoje, sentado neste mesmo lugar, mas tão diferente, observando um cenário que já não pulsa com os encontros vibrantes de antigamente, sinto uma doce saudade. Os encontros mudaram, os rostos também, e os tempos são outros. Mas o espírito de descoberta e a alegria de compartilhar permanecem os mesmos. As árvores, agora talvez menos imponentes, continuam a oferecer sombra às novas esperanças e sonhos dos que hoje descobrem a vida como nós um dia fizemos.

A Praça Honorato Borges, com seu chão repleto de histórias pisadas e pássaros canoros, permanece um símbolo eterno de encontro, de início e de continuidade. "Tudo flui, nada permanece o mesmo", prelecionava Heráclito. E nesse fluir perpétuo, nossas memórias juvenis são como o rio que nunca se banha duas vezes nas mesmas águas, mas que sempre carrega consigo a essência de um tempo dourado de descobertas e amizades que, uma vez vividas, definem para sempre o curso de nossas vidas.

"Vita sine memoria nihil est."



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