Na tarde clara de uma quinta-feira qualquer — mas que jamais será esquecida — o céu de Patrocínio se tornou palco para a poesia em alta velocidade. A Esquadrilha da Fumaça riscou com tintas de nuvem o azul profundo, e, por alguns minutos, o tempo pareceu parar, como se o próprio vento respirasse devagar para não perturbar o encanto suspenso no ar.
Ao meu redor, centenas de olhos voltaram-se para o alto. Havia algo de sagrado naquilo tudo — um silêncio encantado entre os motores e as exclamações. Crianças com os olhos arregalados, bocas entreabertas em espanto, braços estendidos como se pudessem tocar as manobras, guardar um pouco daquele céu nos bolsos.
Não era apenas um espetáculo aéreo; era uma cerimônia coletiva. Ali, naquele local ocupada por estudantes, professores, famílias inteiras, estava em curso uma rara liturgia: o despertar da admiração, da unidade, da pertença.
O som grave dos motores não soava como ruído, mas como chamado. E os riscos brancos no céu não eram rastros de fumaça, mas linhas escritas no ar, redigindo uma carta às futuras gerações. Era como se dissesse: “Olhem para cima, não apenas para admirar, mas para lembrar. Vocês são parte de algo que voa, que ousa, que dança no ar mesmo sob o risco da queda.”
Naquelas manobras estava o ensaio do que é ser brasileiro — equilibrar técnica e coragem, harmonia e risco, suor e arte. A Esquadrilha, em sua coreografia rigorosa, é metáfora de nossa gente: diversas unidades, cada qual com sua força, compondo juntas uma beleza que só é possível quando se voa em formação.
E foi isso que vi espelhado no rosto das crianças: um instante em que o amor à Pátria não nasceu da obrigação, mas da maravilha. Um instante em que o símbolo se fez vivo, e não opressor. Um instante em que, por sobre todas as diferenças que se encontram em uma cidade — de cor, classe, credo, costumes — voou algo comum, algo que uniu, algo que fez brotar orgulho, e não medo; encantamento, e não obediência cega.
Naquela tarde, não houve doutrinas, nem discursos. Houve olhos brilhando. E isso, talvez, seja o mais poderoso gesto de construção coletiva. Porque uma criança que se encanta é uma criança que se liga, que se lembra, que sonha. E sonhar — todos sabemos — é o primeiro passo para transformar.
Enquanto a fumaça se dissipava aos poucos no horizonte e os aplausos findavam em risos e conversas, senti-me tomado por uma delicada esperança. Pensei nos tempos em que símbolos nacionais eram vistos com desconfiança, ou manipulados ao sabor dos ventos políticos. Ali, naquele espaço poeirento e cheio de vida, o símbolo era outro: era um céu partilhado. Era o Brasil que pulsa não no mármore das repartições, mas na poeira dos que correm atrás do vento.
E talvez seja esse o papel dos símbolos — não a imposição, mas o convite. Não o peso da autoridade, mas o leve pertencimento. Uma criança que vê um avião desenhar corações no céu não será a mesma depois. A imaginação cresce, o senso de mundo se amplia. Um gesto assim pode ser a centelha de uma vocação, de uma cidadania sensível, de um amor que se manterá mesmo quando adulto, mesmo quando tudo parecer desabar.
Penso, agora, que precisamos disso com urgência: de mais tardes assim, de mais quintas-feiras onde o céu nos devolva o chão daquilo que somos juntos. Não para fingirmos grandeza, mas para lembrarmos que há beleza. Não para impormos ideias, mas para despertarmos sentimentos. Não para dividir, mas para reunir.
Talvez nunca saibamos quantas sementes foram lançadas naquela tarde azul. Quantos futuros pilotos, poetas, professores ou cidadãos atentos brotarão dali. Mas sei que algo floresceu. E o que floresce pela admiração não se arranca com discursos. Permanece.
Assim, voltei para casa não com os olhos no chão, mas com o pescoço ainda arqueado, como quem se esqueceu de baixar a cabeça após o espetáculo. Carrego comigo os olhares da infância que testemunhou, o som dos risos, a vibração do coletivo, e a certeza de que símbolos — quando vivos, quando belos, quando partilhados — são asas.
E que o Brasil, ao contrário do que dizem, ainda pode voar. Basta que os olhos continuem voltados para cima.
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