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Colunas
21/05/2025 - 07h08
O QUE VALE A PENA
Confira a coluna do Emerson Miranda na última edição da Gazeta: 4.292

Foi numa pausa súbita, dessas que a pressa não antecipa, que a cena se desenhou: um homem idoso, à margem de uma rua qualquer, olhava com certo desânimo o pneu murcho de seu carro. O gesto do braço estendido, pedindo ajuda, não era urgente, mas sincero. E havia no seu pedido algo que ia além da borracha vencida pelo asfalto: havia ali um apelo humano por cuidado mútuo.

A ajuda foi oferecida. Rápida, simples. Nenhuma palavra grandiosa foi dita, nem precisaria. Enquanto as mãos apertavam parafusos e levantávamos o carro com o macaco, uma ideia brotava como uma flor de cimento: ainda vale a pena confiar. Ainda vale a pena estender a mão. Ainda há beleza nos pequenos gestos que sustentam o mundo.

Vivemos dias apressados, onde a utilidade parece justificar a existência. Tudo se mede por ganho, tudo se avalia por retorno. No entanto, há experiências que não cabem nesses moldes — momentos em que a alma humana se recorda de que sua grandeza está justamente naquilo que não pode ser quantificado.

A vida se abre em abundância quando não se exige dela uma contrapartida. É nessa entrega — espontânea — que reside uma das mais puras formas de liberdade. Fazer o bem sem esperar eco, plantar sem cobrar flor, regar sem exigir fruto.

Há uma dignidade imensa em ajudar alguém apenas porque se pode ajudar. Em participar do sucesso alheio sem desejar aplauso. Em fortalecer um projeto, uma ideia, uma vida, simplesmente porque ela carrega verdade. Não se trata de altruísmo heroico. Trata-se de humanidade básica, mas essencial.

O gesto singelo de trocar um pneu pode ser uma metáfora viva para a existência. Todos, em algum momento, ficarão à beira da estrada, exaustos. E todos, em algum momento, terão a chance de parar, abaixar-se e ajudar alguém a seguir viagem. A escolha de fazê-lo ou não define menos o rumo da estrada e mais a qualidade de quem caminha.

“Fé é dar o primeiro passo mesmo quando não se vê toda a escada”, dizia Martin Luther King. Ter fé no outro — especialmente em tempos tão céticos — é, talvez, uma das formas mais belas de resistência. Não se trata de ingenuidade, mas de convicção: acreditar que apoiar, confiar, construir com o outro pode, sim, transformar o mundo.

O tempo, senhor implacável, levará muito do que hoje parece essencial. Mas certos gestos permanecerão como pegadas fundas na memória dos dias. Um abraço na hora certa, uma escuta atenta, uma palavra que sustenta, uma ajuda silenciosa. Pequenos milagres cotidianos.

Talvez a grande pergunta a se fazer não seja “o que se ganha com isso?”, mas “quem se torna aquele que faz isso?”. Porque cada ato gratuito molda o espírito. Torna-o mais leve, mais largo, mais generoso. E quem caminha com leveza e verdade carrega consigo uma alegria que não precisa de vitrine.

Nietzsche escreveu certa vez: “Aquilo que se faz por amor está sempre além do bem e do mal.” Sim, há um amor desinteressado que move o mundo sem alarde. Um amor que se manifesta em atitudes discretas, que não exigem palco, mas transformam profundamente quem as vive.

É possível contribuir sem contratos. Amar sem garantias. Ajudar sem cálculo. A recompensa? Um tipo raro de contentamento: saber que, mesmo no breu, foi possível acender um ponto de luz. E isso basta.

Enquanto o carro voltava ao asfalto e o senhor retomava sua viagem com um aceno gentil, o mundo parecia, por um instante, mais alinhado. Não porque tudo se resolveu. Mas porque, ali, se fez o que podia. E às vezes, isso é tudo o que é preciso para restaurar a esperança.

Que nunca se perca a coragem de ajudar. Que nunca se perca o brilho de reconhecer valor no esforço alheio. Que nunca se perca a fé — não a fé que exige certezas, mas a que se satisfaz em caminhar junto.

Porque, no fim, o que vale mesmo a pena é isso:

Estar presente. Ser útil. Ser ponte.

Ser, com simplicidade, uma razão para o outro seguir adiante.



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